Voz 3 – Ártemis...
Voz 1 – Os corpos no chão
Voz 2 – O ar empesteado/
Voz 1 – sem lágrima, sem lápide
Voz 3 (feminina) (sussurrado) – Atena...
Voz 2 – a febre flamejante
Voz 1 – Os cidadãos empilhados, carniça abatida/
Voz 3 (sussurrado) – Ártemis... Apolo/
Voz 2 – Cidade suja
Voz 3 – Apolo, eu imploro...
Voz 2 – Suja de sangue, coberta de ódio
Voz 4 (masculina) –
Voz 3 – (rápido) Eu suplico
Voz 4 – O rei ri. Ele gargalha do/
Voz 3 – Ártemis…
Voz 4 – dos mortos, da/
Voz 2 – abismo vermelho
Voz 5 – O coração dele é seco.
Voz 2 – onda de sangue...
Voz 3 – Atena?
Voz 2 – A gente tá dentro de uma onda de sangue.
Voz 5 – Seco.
Voz 3 – Zeus ?
Voz 2 – e não consegue levantar a cabeça
Voz 3 – Zeus ?
Voz 2 – A gente não consegue respirar fora do sangue
Voz 3 – Atena eterna
Voz 2 – não consegue.
Voz 5 – O coração do rei é seco. Seco.
Voz 3 (rápido) – Apolo, que de longe lança flecha
Voz 5 – Ele precisa de sangue.
Voz 3 – Apolo...
Voz 2 – Eles pesam sobre a gente...
Voz 3 – Zeus...
Voz 5 – O rei precisa de sangue.
Voz 2 – a cólera contagia
Voz 3 – Zeus...
Voz 3 – Atena?
Voz 2 – contamina o ar
Voz 3 – Zeus...
Voz 2 – a gente não consegue levantar
Vai ser a última vez que você vai me bater, tirei a roupa, ajoelhei e engoli o choro até roxear. Eu era uma criança inteligente e organizada.
Agora a comunicação fica espaçada, eu peguei o começo, mas perdi algo sobre o pai, a partir dessa voz-veículo mecanizado. “Gestuar” e gestar Antígona a partir da subjetividade, a partir de si.
(Há um ruído no bom comportamento)
Quem é mais (parte inaudível) Ismene ou Antígona?
Quando ela ia me bater eu corria pros braços dela, porque eu era apegada a ela.
O pai dela nasceu em Tebas, os pais sabendo da profecia tiram ele de lá.
(arruma uma briga na rua)
Ele vai no oráculo que diz que ele vai matar o pai.
Na encruzilhada ele encontra um homem e mata esse homem, Laio.
Decifra e se torna rei e casa-se com a Jocasta.
(eu tô numa novelinha aqui)
A mãe é mãe-avó
Essa história é muito bizarra porque o pai se cega.
A cidade fica com uma outra peste, o coronavírus, matando todo mundo.
Édipo quer saber quem é o culpado pela peste, o homem que casou com a própria mãe e matou o pai.
Fugindo, você encontrou o próprio destino.
A mãe se mata.
Há muitas semelhanças, o irmão também ficou cego.
Eu vou revelar um segredo de família, o meu pai engravidou (parte inaudível). Ninguém podia saber. Meu irmão é cego. Há uma relação? As deficiências têm alguma ligação com as tragédias? Só meu pai (ruído)...
O primeiro casamento...
... com o meu pai, a minha própria (ruído mecanizado). Tem um pouco de mágoa, fala com ele mas... (trecho grande sem transcrição) Precisa da ajuda
vocês
Sobrinho-neto-meio-irmão
Nunca pode falar!
As narrativas do mito só existem pra dar conta dos problemas humanos, da existência humana, dessa condição trágica. Ao mesmo tempo era um pai que aconselhava e ao mesmo tempo era um escroto.
Eu acho que Nietzsc(inaudível) fala sobre isso... é o horror e o movimento.
“Ó que beleza”
“O senhor dos senhores”
Ao mesmo tempo que é trágico, celebra-se.
12 de Janeiro de 2021
CORO – Há muitos assombros no mundo
mas nada é tão assombroso quanto o Homem.
O homem lança sombra no próprio assombro.
Se o vento sul o assusta
ele usa o próprio vento para navegar o oceano cinzento.
Não há tempestade que o vença
O homem abre caminhos
rasgando as veias marítimas
furando, com bravura, a amplitude das ondas mais assustadoras.
Rasga também o ventre da terra sublime
eterna e infatigável
ano a ano
consome com o arado
afundando seu ferro
rompendo os tecidos do solo.
Lá vai o homem
o homem vai-e-vem
dominando a raça equina
que maravilha é o homem
Arrastando as aves de cantos lépidos
e gerações de bestas ferozes
capturando as criaturas marinhas
encantado pela prata
pelo brilho cintilante
eis o homem
tocando o gado
pescando salmões e atuns
mestre das redes
entretecendo tudo
envolvendo o mundo em sua trama
amarrando o pescoço do potro de vasta crina
laçando o touro feroz das montanhas
mais arisco que a mais arisca das feras
o homem de engenhos mil
de astúcia inesgotável
Que arte!
Que arte!
Aprendeu a linguagem
domou até a língua
que controla tão bem
Que controle!
Controlando a língua,
controla inclusive o que pensa
controla um poema
que graça, o Homem
Como é gracioso!
O pensamento mais veloz ele puxa pelos cabelos
e vrau!
sossega leão!
cria leis que civilizam
disciplina as cidades
as vozes
os gestos
os sonhos
e os corpos
o homem amarra tudo numa linha reta
ereto como uma flecha
sobe os montes
desce os barrancos
salta as crateras
em passos imensos pela humanidade
protege-se das nevascas mais geladas do ártico
lança os mais altos satélites
discos e
drones e
drena as fontes
conhece Marte
a Fossa das Marianas
tudo ele já viu
e frequentou
a mitocôndria
o Mar Morto
a célula
o pó lunar
o nêutron
os íons
e o choque
da antimatéria
só há uma matéria
que ele não dobra
a morte
somente contra ela
gritará em vão por socorro
somente contra ela
ninguém irá acudir
ninguém saltará para ajudar
pois que diante dela
o homem
é fraco
sem apuro
busca
em vão
a cura
Que assombro é o homem!
Que assombro
Que assombro!
Que assombro!
CORO – Há muitos assombros no mundo
mas nada é tão assombroso quanto o Homem.
O homem lança sombra no próprio assombro.
Se o vento sul o assusta
ele usa o próprio vento para navegar o oceano cinzento.
Não há tempestade que o vença
O homem abre caminhos
rasgando as veias marítimas
furando, com bravura, a amplitude das ondas mais assustadoras.
Rasga também o ventre da terra sublime
eterna e infatigável
ano a ano
consome com o arado
afundando seu ferro
rompendo os tecidos do solo.
Lá vai o homem
o homem vai-e-vem
dominando a raça equina
que maravilha é o homem
Arrastando as aves de cantos lépidos
e gerações de bestas ferozes
capturando as criaturas marinhas
encantado pela prata
pelo brilho cintilante
eis o homem
tocando o gado
pescando salmões e atuns
mestre das redes
entretecendo tudo
envolvendo o mundo em sua trama
amarrando o pescoço do potro de vasta crina
laçando o touro feroz das montanhas
mais arisco que a mais arisca das feras
o homem de engenhos mil
de astúcia inesgotável
Que arte!
Que arte!
Aprendeu a linguagem
domou até a língua
que controla tão bem
Que controle!
Controlando a língua,
controla inclusive o que pensa
controla um poema
que graça, o Homem
Como é gracioso!
O pensamento mais veloz ele puxa pelos cabelos
e vrau!
sossega leão!
cria leis que civilizam
disciplina as cidades
as vozes
os gestos
os sonhos
e os corpos
o homem amarra tudo numa linha reta
ereto como uma flecha
sobe os montes
desce os barrancos
salta as crateras
em passos imensos pela humanidade
protege-se das nevascas mais geladas do ártico
lança os mais altos satélites
discos e
drones e
drena as fontes
conhece Marte
a Fossa das Marianas
tudo ele já viu
e frequentou
a mitocôndria
o Mar Morto
a célula
o pó lunar
o nêutron
os íons
e o choque
da antimatéria
só há uma matéria
que ele não dobra
a morte
somente contra ela
gritará em vão por socorro
somente contra ela
ninguém irá acudir
ninguém saltará para ajudar
pois que diante dela
o homem
é fraco
sem apuro
busca
em vão
a cura
Que assombro é o homem!
Que assombro
Que assombro!
Que assombro!
Voz 3 – Ártemis...
Voz 1 – Os corpos no chão
Voz 2 – O ar empesteado/
Voz 1 – sem lágrima, sem lápide
Voz 3 (feminina) (sussurrado) – Atena...
Voz 2 – a febre flamejante
Voz 1 – Os cidadãos empilhados, carniça abatida/
Voz 3 (sussurrado) – Ártemis... Apolo/
Voz 2 – Cidade suja
Voz 3 – Apolo, eu imploro...
Voz 2 – Suja de sangue, coberta de ódio
Voz 4 (masculina) –
Voz 3 – (rápido) Eu suplico
Voz 4 – O rei ri. Ele gargalha do/
Voz 3 – Ártemis…
Voz 4 – dos mortos, da/
Voz 2 – abismo vermelho
Voz 5 – O coração dele é seco.
Voz 2 – onda de sangue...
Voz 3 – Atena?
Voz 2 – A gente tá dentro de uma onda de sangue.
Voz 5 – Seco.
Voz 3 – Zeus ?
Voz 2 – e não consegue levantar a cabeça
Voz 3 – Zeus ?
Voz 2 – A gente não consegue respirar fora do sangue
Voz 3 – Atena eterna
Voz 2 – não consegue.
Voz 5 – O coração do rei é seco. Seco.
Voz 3 (rápido) – Apolo, que de longe lança flecha
Voz 5 – Ele precisa de sangue.
Voz 3 – Apolo...
Voz 2 – Eles pesam sobre a gente...
Voz 3 – Zeus...
Voz 5 – O rei precisa de sangue.
Voz 2 – a cólera contagia
Voz 3 – Zeus...
Voz 3 – Atena?
Voz 2 – contamina o ar
Voz 3 – Zeus...
Voz 2 – a gente não consegue levantar
Vai ser a última vez que você vai me bater, tirei a roupa, ajoelhei e engoli o choro até roxear. Eu era uma criança inteligente e organizada.
Agora a comunicação fica espaçada, eu peguei o começo, mas perdi algo sobre o pai, a partir dessa voz-veículo mecanizado. “Gestuar” e gestar Antígona a partir da subjetividade, a partir de si.
(Há um ruído no bom comportamento)
Quem é mais (parte inaudível) Ismene ou Antígona?
Quando ela ia me bater eu corria pros braços dela, porque eu era apegada a ela.
O pai dela nasceu em Tebas, os pais sabendo da profecia tiram ele de lá.
(arruma uma briga na rua)
Ele vai no oráculo que diz que ele vai matar o pai.
Na encruzilhada ele encontra um homem e mata esse homem, Laio.
Decifra e se torna rei e casa-se com a Jocasta.
(eu tô numa novelinha aqui)
A mãe é mãe-avó
Essa história é muito bizarra porque o pai se cega.
A cidade fica com uma outra peste, o coronavírus, matando todo mundo.
Édipo quer saber quem é o culpado pela peste, o homem que casou com a própria mãe e matou o pai.
Fugindo, você encontrou o próprio destino.
A mãe se mata.
Há muitas semelhanças, o irmão também ficou cego.
Eu vou revelar um segredo de família, o meu pai engravidou (parte inaudível). Ninguém podia saber. Meu irmão é cego. Há uma relação? As deficiências têm alguma ligação com as tragédias? Só meu pai (ruído)...
O primeiro casamento...
... com o meu pai, a minha própria (ruído mecanizado). Tem um pouco de mágoa, fala com ele mas... (trecho grande sem transcrição) Precisa da ajuda
vocês
Sobrinho-neto-meio-irmão
Nunca pode falar!
As narrativas do mito só existem pra dar conta dos problemas humanos, da existência humana, dessa condição trágica. Ao mesmo tempo era um pai que aconselhava e ao mesmo tempo era um escroto.
Eu acho que Nietzsc(inaudível) fala sobre isso... é o horror e o movimento.
“Ó que beleza”
“O senhor dos senhores”
Ao mesmo tempo que é trágico, celebra-se.
12 de Janeiro de 2021
Projeção de Antígona sobre um muro de pedra na esquina de um beco. Sua imagem vai aparecendo e desaparecendo ao longo do diálogo, todo filmado neste único plano. Ismene aparece projetada na outra parede desta esquina: cada uma projetada em uma parede, elas falam como se estivessem se vendo, embora estejam separadas pelo encontro dos muros, divididas pela linha onde se encontram as paredes de pedra.
ANTÍGONA – Nosso rol de dores e de desventuras está completo
Nosso desespero parece não ter fim
Eu não consigo enxergar num quadro tão obscuro
Neste pântano noturno
Daqui não vejo nada além da dor,
eu me pergunto: qual horror será que nos falta?
Esta desgraça que nos abateu não desfavorece a todos de modo igual
Não.
Te disseram ou não, Ismene, minha irmã?
Do novo peso que devemos carregar
Como filhas de Édipo?
ISMENE – Não sei de nada.
Nada de bom, nem nada de mau.
Sei que nossos irmãos caíram num golpe mútuo
Esta imagem dos olhos eu não consigo arrancar
Com tanta desgraça e horror, as minhas retinas estão arranhadas.
ANTÍGONA – Então ouve de mim e de ninguém mais
e vamos ver se o seu coração ainda bate
ISMENE – Você parece carregar um eclipse na sua boca, Antígona
ANTÍGONA - O rei decretou:
somente um de nossos irmãos mortos, Eteocles, vai receber o manto da terra
Tem a predileção do rei pois dizia-se um defensor aguerrido desta pátria
Este terá as honras devidas,
o rito dele será concluído.
Já o outro irmão:
Polinices,
o corpo dele permanece insepulto
e assim decreta o soberano que permaneça
um corpo a céu aberto
pasto de aves rapaces
miserável
sem lágrima
só a baba e o sangue das gengivas dos cães lhe cairão sobre os ossos
pele e carne
banquete de urubus
quem desrespeitar esse édito terrível
já foi dito
será alvo de uma pedra atirada no rosto
cravada no crânio
diante de toda a cidade
para que se veja como se tratam os transgressores
(pausa)
e então?
(tempo)
o que você vai fazer?
ISMENE – Está me colocando à prova, Antígona?
o que você quer que eu faça?
ANTÍGONA – Quero a sua ajuda
ISMENE – Como?
ANTÍGONA – Para enterrar o morto
ISMENE – O inimigo do povo?
ANTÍGONA – O inimigo do rei.
Sim.
O seu irmão.
Aquele a quem a cidade esqueceu
ISMENE – Vai se opor ao rei?
Perdeu a razão?
ANTÍGONA – Não vão me privar dos meus mortos
ISMENE – Você vai enterrar a todos nós se nos levar a isso
ANTÍGONA – Me ajuda a erguer o peso do corpo
ISMENE – Esquece os mortos, Antígona.
É inútil fazer o que é inútil.
Quem manda é muito mais forte.
De que adianta?
Pra que ultrapassar certos limites?
ANTÍGONA – Os deuses te detestam.
ISMENE – Antígona, é muito amargo sofrer
e eu já estou afogada em lama
Mas a mesma lâmina que corta seu pescoço
Rasga a minha veia
(tempo)
Não sei se tenho mais sal nas lágrimas
O tanto que chorei
Me deixe ao menos descansar dos gritos de lamento
ANTÍGONA – Eu é que lamento se você não consegue me acompanhar
Minha dor que era dupla
Você quadruplica
Expoente da desonra e do desamor
Que horror, Ismene!
Você aceita a infâmia
e cospe no corpo do irmão querido.
Se acha que meu gesto é de uma louca
ao desdém você também pode somar o desdém do morto
Pois eu serei grata se eu morrer com amor
Enlaçando num último abraço o corpo do meu irmão
Mais vale viver debaixo da terra
deitada
fria e quente
do que respirando este ar podre da superfície
prefiro ser eterna e justa
ISMENE – Ingrata.
Insensata
Eu sofro por não conseguir te acompanhar
E sofro por aquilo que pode acontecer com você
ANTÍGONA – Pois se já está sofrendo tanto
Sofrer mais doeria menos
ISMENE – não sei se tenho forças
Eu temo muito.
Eu tenho tanto medo.
Só sei ficar em silêncio.
É o máximo que eu consigo fazer
ANTÍGONA – A carne que é sua irmã está apodrecendo sobre a pedra nua
ISMENE – Vai, Antígona. Vai com o seu pó.
Cobre o morto.
Embora seja insensata,
Você é doce
Vai
ANTÍGONA – Eu vou.
As projeções saem, uma para cada lado do muro
Projeção de Antígona sobre um muro de pedra na esquina de um beco. Sua imagem vai aparecendo e desaparecendo ao longo do diálogo, todo filmado neste único plano. Ismene aparece projetada na outra parede desta esquina: cada uma projetada em uma parede, elas falam como se estivessem se vendo, embora estejam separadas pelo encontro dos muros, divididas pela linha onde se encontram as paredes de pedra.
ANTÍGONA – Nosso rol de dores e de desventuras está completo
Nosso desespero parece não ter fim
Eu não consigo enxergar num quadro tão obscuro
Neste pântano noturno
Daqui não vejo nada além da dor,
eu me pergunto: qual horror será que nos falta?
Esta desgraça que nos abateu não desfavorece a todos de modo igual
Não.
Te disseram ou não, Ismene, minha irmã?
Do novo peso que devemos carregar
Como filhas de Édipo?
ISMENE – Não sei de nada.
Nada de bom, nem nada de mau.
Sei que nossos irmãos caíram num golpe mútuo
Esta imagem dos olhos eu não consigo arrancar
Com tanta desgraça e horror, as minhas retinas estão arranhadas.
ANTÍGONA – Então ouve de mim e de ninguém mais
e vamos ver se o seu coração ainda bate
ISMENE – Você parece carregar um eclipse na sua boca, Antígona
ANTÍGONA - O rei decretou:
somente um de nossos irmãos mortos, Eteocles, vai receber o manto da terra
Tem a predileção do rei pois dizia-se um defensor aguerrido desta pátria
Este terá as honras devidas,
o rito dele será concluído.
Já o outro irmão:
Polinices,
o corpo dele permanece insepulto
e assim decreta o soberano que permaneça
um corpo a céu aberto
pasto de aves rapaces
miserável
sem lágrima
só a baba e o sangue das gengivas dos cães lhe cairão sobre os ossos
pele e carne
banquete de urubus
quem desrespeitar esse édito terrível
já foi dito
será alvo de uma pedra atirada no rosto
cravada no crânio
diante de toda a cidade
para que se veja como se tratam os transgressores
(pausa)
e então?
(tempo)
o que você vai fazer?
ISMENE – Está me colocando à prova, Antígona?
o que você quer que eu faça?
ANTÍGONA – Quero a sua ajuda
ISMENE – Como?
ANTÍGONA – Para enterrar o morto
ISMENE – O inimigo do povo?
ANTÍGONA – O inimigo do rei.
Sim.
O seu irmão.
Aquele a quem a cidade esqueceu
ISMENE – Vai se opor ao rei?
Perdeu a razão?
ANTÍGONA – Não vão me privar dos meus mortos
ISMENE – Você vai enterrar a todos nós se nos levar a isso
ANTÍGONA – Me ajuda a erguer o peso do corpo
ISMENE – Esquece os mortos, Antígona.
É inútil fazer o que é inútil.
Quem manda é muito mais forte.
De que adianta?
Pra que ultrapassar certos limites?
ANTÍGONA – Os deuses te detestam.
ISMENE – Antígona, é muito amargo sofrer
e eu já estou afogada em lama
Mas a mesma lâmina que corta seu pescoço
Rasga a minha veia
(tempo)
Não sei se tenho mais sal nas lágrimas
O tanto que chorei
Me deixe ao menos descansar dos gritos de lamento
ANTÍGONA – Eu é que lamento se você não consegue me acompanhar
Minha dor que era dupla
Você quadruplica
Expoente da desonra e do desamor
Que horror, Ismene!
Você aceita a infâmia
e cospe no corpo do irmão querido.
Se acha que meu gesto é de uma louca
ao desdém você também pode somar o desdém do morto
Pois eu serei grata se eu morrer com amor
Enlaçando num último abraço o corpo do meu irmão
Mais vale viver debaixo da terra
deitada
fria e quente
do que respirando este ar podre da superfície
prefiro ser eterna e justa
ISMENE – Ingrata.
Insensata
Eu sofro por não conseguir te acompanhar
E sofro por aquilo que pode acontecer com você
ANTÍGONA – Pois se já está sofrendo tanto
Sofrer mais doeria menos
ISMENE – não sei se tenho forças
Eu temo muito.
Eu tenho tanto medo.
Só sei ficar em silêncio.
É o máximo que eu consigo fazer
ANTÍGONA – A carne que é sua irmã está apodrecendo sobre a pedra nua
ISMENE – Vai, Antígona. Vai com o seu pó.
Cobre o morto.
Embora seja insensata,
Você é doce
Vai
ANTÍGONA – Eu vou.
As projeções saem, uma para cada lado do muro
Creonte youtuber, liga a câmera para um pronunciamento
CREONTE – E agora eu me dirijo a vocês, ao povo. Venho aqui para fazer um pedido a vocês. Quero que fique registrado aqui a minha ordem, o meu pedido ao povo:
Eteocles, aquele que morreu lutando pela pátria, pelos seus, que ele desça ao túmulo cercado de todas as honrarias. Que ele desça ao túmulo cercado por todas as honras fúnebres. Que a ele seja entregue tudo a que um morto tem direito. Que ele seja sepultado com o tratamento mais ilustre! É isso que ele merece.
Mas ao irmão, Polinices, que veio se vingar da sua própria pátria, o responsável por incendiar a sua terra natal – terra de seus pais, terra de seus santuários, terra dos deuses de seus avós, de seus ancestrais, terra dos deuses da sua própria pátria, terra venerada pelos deuses de seus ascendentes – esse Polinices! Esse que quis provar o sangue de seus próprios parentes! Esse que quis escravizar os próprios irmãos, que fique aqui registrado o meu edito: ele é um inimigo desta pátria
Que cidadão nenhum se atreva a derramar uma lágrima sequer sobre o seu corpo.
Que ninguém se atreva a distingui-lo com lamentações, comiseração e nenhum tipo de rito fúnebre.
Eu peço aqui a todos, que deixem o corpo de Polinices insepulto e que ele seja devorado por cães e aves de rapina, numa cena asquerosa, nojenta. Para que sirva de exemplo.
Estes são os meus sentimentos. Eu jamais concederei aos criminosos, aos inimigos deste país, nenhum tipo de honra. Eles não merecem. Só terá um tratamento digno aquele que tiver um comportamento digno.
Será apenas sepultado dignamente, aquele que se comportou dignamente.
Somente aquele que quis o bem de Tebas.
Somente este vai ter a minha estima depois da morte.
Somente este vai ter a minha estima depois de morto.
Somente aquele que quis o bem de Tebas vai ter a minha estima depois de morto.
- - - - - - Pode cortar
Creonte youtuber, liga a câmera para um pronunciamento
CREONTE – E agora eu me dirijo a vocês, ao povo. Venho aqui para fazer um pedido a vocês. Quero que fique registrado aqui a minha ordem, o meu pedido ao povo:
Eteocles, aquele que morreu lutando pela pátria, pelos seus, que ele desça ao túmulo cercado de todas as honrarias. Que ele desça ao túmulo cercado por todas as honras fúnebres. Que a ele seja entregue tudo a que um morto tem direito. Que ele seja sepultado com o tratamento mais ilustre! É isso que ele merece.
Mas ao irmão, Polinices, que veio se vingar da sua própria pátria, o responsável por incendiar a sua terra natal – terra de seus pais, terra de seus santuários, terra dos deuses de seus avós, de seus ancestrais, terra dos deuses da sua própria pátria, terra venerada pelos deuses de seus ascendentes – esse Polinices! Esse que quis provar o sangue de seus próprios parentes! Esse que quis escravizar os próprios irmãos, que fique aqui registrado o meu edito: ele é um inimigo desta pátria
Que cidadão nenhum se atreva a derramar uma lágrima sequer sobre o seu corpo.
Que ninguém se atreva a distingui-lo com lamentações, comiseração e nenhum tipo de rito fúnebre.
Eu peço aqui a todos, que deixem o corpo de Polinices insepulto e que ele seja devorado por cães e aves de rapina, numa cena asquerosa, nojenta. Para que sirva de exemplo.
Estes são os meus sentimentos. Eu jamais concederei aos criminosos, aos inimigos deste país, nenhum tipo de honra. Eles não merecem. Só terá um tratamento digno aquele que tiver um comportamento digno.
Será apenas sepultado dignamente, aquele que se comportou dignamente.
Somente aquele que quis o bem de Tebas.
Somente este vai ter a minha estima depois da morte.
Somente este vai ter a minha estima depois de morto.
Somente aquele que quis o bem de Tebas vai ter a minha estima depois de morto.
- - - - - - Pode cortar
O meu público está assistindo?
A nossa cidade vem sendo sacudida por uma sinistra tormenta. Mas Deus, o olho que tudo vê, manterá a nossa nau salva e aprumada. Muitas vidas foram ceifadas sim, mas nós estamos vivos! Vivos! É hora de olhar pra frente!
O grande mal é que não é só a peste que se alastra entre os homens desta terra, mas a desordem, a insubmissão.
Eu, enquanto detentor do trono e do poder real, não posso permitir que a nossa cidade seja ameaçada, que a ruína e a degradação devorem o nosso povo.
Vocês, semeados da terra, vão concordar comigo.
Ontem um diminuto grupo de arruaceiros tentou convulsionar Tebas. O nosso exército foi acionado e os baderneiros se voltaram contra nós. Em lados opostos deste conflito estavam: Eteocles e Polinicies, ambos filhos da tara de Édipo. Mesmo vindo desta raíz deteriorada, Eteocles aguerrido soldado de Tebas, ficou ao lado de nossa terra reta. Polinices, muito pelo contrário, sempre agiu como uma serpente contra mim, insuflando a baderna, pervertendo os costumes.
Ontem, comandando a insubordinação, Polinices, e sua alcateia desvairada, tiveram que ser refreados pelos nossos homens. Os dois irmãos, então cara a cara, atiraram lanças um ao outro. Morreram juntos, é verdade, mas morreram em lados diametralmente opostos.
Lamento muito, mas eu, Creonte de Meneceus, não posso dispensar o mesmo tratamento ao amigo e ao inimigo de nossa pátria.
Por isto, Eteocles será purificado e enterrado como um nobre cidadão. Já o seu irmão, Polinicies, que em vida se mostrou meu inimigo, permanecerá como tal em morte.
Enquanto guia supremo de Tebas, eu, por decreto, afirmo que o corpo de Polinices permanecerá insepulto, exposto e apodrecerá em praça pública. Qualquer tentativa de purificação, libação, enterro ou homenagem póstuma a este cadáver está terminantemente proibida.
Não me comovo com lágrimas de subversivos.
Que vocês, filhos da pura terra tebana, sejam soldados da minha palavra e cuidem pra que o dito seja cumprido. Há este lado de Deus e das leis, e há o outro.
Deus abençoe vocês.
O meu público está assistindo?
A nossa cidade vem sendo sacudida por uma sinistra tormenta. Mas Deus, o olho que tudo vê, manterá a nossa nau salva e aprumada. Muitas vidas foram ceifadas sim, mas nós estamos vivos! Vivos! É hora de olhar pra frente!
O grande mal é que não é só a peste que se alastra entre os homens desta terra, mas a desordem, a insubmissão.
Eu, enquanto detentor do trono e do poder real, não posso permitir que a nossa cidade seja ameaçada, que a ruína e a degradação devorem o nosso povo.
Vocês, semeados da terra, vão concordar comigo.
Ontem um diminuto grupo de arruaceiros tentou convulsionar Tebas. O nosso exército foi acionado e os baderneiros se voltaram contra nós. Em lados opostos deste conflito estavam: Eteocles e Polinicies, ambos filhos da tara de Édipo. Mesmo vindo desta raíz deteriorada, Eteocles aguerrido soldado de Tebas, ficou ao lado de nossa terra reta. Polinices, muito pelo contrário, sempre agiu como uma serpente contra mim, insuflando a baderna, pervertendo os costumes.
Ontem, comandando a insubordinação, Polinices, e sua alcateia desvairada, tiveram que ser refreados pelos nossos homens. Os dois irmãos, então cara a cara, atiraram lanças um ao outro. Morreram juntos, é verdade, mas morreram em lados diametralmente opostos.
Lamento muito, mas eu, Creonte de Meneceus, não posso dispensar o mesmo tratamento ao amigo e ao inimigo de nossa pátria.
Por isto, Eteocles será purificado e enterrado como um nobre cidadão. Já o seu irmão, Polinicies, que em vida se mostrou meu inimigo, permanecerá como tal em morte.
Enquanto guia supremo de Tebas, eu, por decreto, afirmo que o corpo de Polinices permanecerá insepulto, exposto e apodrecerá em praça pública. Qualquer tentativa de purificação, libação, enterro ou homenagem póstuma a este cadáver está terminantemente proibida.
Não me comovo com lágrimas de subversivos.
Que vocês, filhos da pura terra tebana, sejam soldados da minha palavra e cuidem pra que o dito seja cumprido. Há este lado de Deus e das leis, e há o outro.
Deus abençoe vocês.
Eu sou Antígona. Aquela que a terra não conservou. A mulher na forca. A mulher com grito de pássaro. A filha do pai. A filha do irmão. A amante do irmão. Aquela que atravessou o deserto. Sou a heroína, sou a seringa e a veia. Ontem furei os olhos de Tirésias, arrebentei o muro, tomei choque da cerca elétrica e fui ao cinema sem máscara. Hoje chorei por minha irmã, por sua vida, por essa vida. Amarro as bombas na cintura, parto para o Maranhão e aperto o botão na Igreja Maranata da luminosa vinda de cristo em cristo da rua Itaverava.
Agora sou Leopoldina. Nos intestinos de Maracangalha. Sob o sol de janeiro. Arranco o espartilho, afio a faca e corto o pau de D. Pedro. Arranco os trilhos do trem, queimo os navios e vou às compras no shopping. Aqui fala Isabel, sob o sol de Copacabana. Sufoco presa no bronze, passeio no canavial e escolho os escravos mais fortes para foder. Agora sou o conde. O barão. E te fodo, negro! Sou Maria Antonieta. Rasgo seu ventre. Suas tripas, minha coroa, homem de bem. Não sou tuas negas. Com a voz suave mando a empregada me servir café e grito que está amargo, que de amarga já basta a vida. Agora sou o chicote, o pelourinho, o pau de arara, o brilhante que enfia o rato na sua boceta. Agora sou a mulher loira do banheiro, com algodão no nariz, vestida de noiva saindo para tomar uma brisa. Abro os olhos e ainda estou aqui.
Agora sou Clitemnestra. Quebro e arrebento esse palácio em que estou trancada, escancaro o sangue nas mãos do teu pai, assassino de tua irmã. Abro furos nos cascos dessas naus. Para que não haja vento, para que naufraguem, para que não haja guerra, nem heróis nem epopeia nem linguagem. Aqui fala Malinche, a tradutora, a traidora dos Astecas, a amante de Cortés, raptada sequestrada estuprada sacrificada.
Aqui fala Antígona. Sou philía, eu sou amor da cabeça aos pés. Sou a pulga atrás da orelha. O ponto de interrogação. A democracia, sei... O direito , sei... Sou a áspera exceção sem a qual toda maioria é esmagadora, é tirana. A regra, a lei. Também tenho regras, sangro. Também eu rachada, ó pólis, nação de alguns sobre outros, a Voz do Brasil, a ordem e o progresso. Duvido. Agora sou Mary Stuart, o outro lado da moeda, legitimamente trancada na torre para que não caia sombra de dúvida sobre minha prima, a rainha. Tranquem as portas. Cimentem as frestas, costurem os rasgos, cicatrizem as feridas. Me enterrem viva. Eu atravesso paredes. Agora sou o fantasma de Antígona. As cinzas de Joana D’Arc. Agora eu via cortejos, ruas, ruas conhecidas, vocês! Via vocês marchando, e depois vi a mim. Eu ia à frente de vocês, muda e marchando a passo marcial, a fronte ensanguentada e lançando palavras de sonoridade guerreira numa língua que desconheço, e como os cortejos fossem muitos e viessem de muitos lados ao mesmo tempo, eu vinha à frente de todos eles em numerosas encarnações: moça e velha, em prantos e tremenda.
E, sobretudo, fora de mim mesma! Virtude e terror! Transparente quase de fome e portanto inalvejável, superior a qualquer tortura por habituada a todas.
Eu sou Antígona. Aquela que a terra não conservou. A mulher na forca. A mulher com grito de pássaro. A filha do pai. A filha do irmão. A amante do irmão. Aquela que atravessou o deserto. Sou a heroína, sou a seringa e a veia. Ontem furei os olhos de Tirésias, arrebentei o muro, tomei choque da cerca elétrica e fui ao cinema sem máscara. Hoje chorei por minha irmã, por sua vida, por essa vida. Amarro as bombas na cintura, parto para o Maranhão e aperto o botão na Igreja Maranata da luminosa vinda de cristo em cristo da rua Itaverava.
Agora sou Leopoldina. Nos intestinos de Maracangalha. Sob o sol de janeiro. Arranco o espartilho, afio a faca e corto o pau de D. Pedro. Arranco os trilhos do trem, queimo os navios e vou às compras no shopping. Aqui fala Isabel, sob o sol de Copacabana. Sufoco presa no bronze, passeio no canavial e escolho os escravos mais fortes para foder. Agora sou o conde. O barão. E te fodo, negro! Sou Maria Antonieta. Rasgo seu ventre. Suas tripas, minha coroa, homem de bem. Não sou tuas negas. Com a voz suave mando a empregada me servir café e grito que está amargo, que de amarga já basta a vida. Agora sou o chicote, o pelourinho, o pau de arara, o brilhante que enfia o rato na sua boceta. Agora sou a mulher loira do banheiro, com algodão no nariz, vestida de noiva saindo para tomar uma brisa. Abro os olhos e ainda estou aqui.
Agora sou Clitemnestra. Quebro e arrebento esse palácio em que estou trancada, escancaro o sangue nas mãos do teu pai, assassino de tua irmã. Abro furos nos cascos dessas naus. Para que não haja vento, para que naufraguem, para que não haja guerra, nem heróis nem epopeia nem linguagem. Aqui fala Malinche, a tradutora, a traidora dos Astecas, a amante de Cortés, raptada sequestrada estuprada sacrificada.
Aqui fala Antígona. Sou philía, eu sou amor da cabeça aos pés. Sou a pulga atrás da orelha. O ponto de interrogação. A democracia, sei... O direito , sei... Sou a áspera exceção sem a qual toda maioria é esmagadora, é tirana. A regra, a lei. Também tenho regras, sangro. Também eu rachada, ó pólis, nação de alguns sobre outros, a Voz do Brasil, a ordem e o progresso. Duvido. Agora sou Mary Stuart, o outro lado da moeda, legitimamente trancada na torre para que não caia sombra de dúvida sobre minha prima, a rainha. Tranquem as portas. Cimentem as frestas, costurem os rasgos, cicatrizem as feridas. Me enterrem viva. Eu atravesso paredes. Agora sou o fantasma de Antígona. As cinzas de Joana D’Arc. Agora eu via cortejos, ruas, ruas conhecidas, vocês! Via vocês marchando, e depois vi a mim. Eu ia à frente de vocês, muda e marchando a passo marcial, a fronte ensanguentada e lançando palavras de sonoridade guerreira numa língua que desconheço, e como os cortejos fossem muitos e viessem de muitos lados ao mesmo tempo, eu vinha à frente de todos eles em numerosas encarnações: moça e velha, em prantos e tremenda.
E, sobretudo, fora de mim mesma! Virtude e terror! Transparente quase de fome e portanto inalvejável, superior a qualquer tortura por habituada a todas.
ANTÍGONA (enquanto realiza as libações) – Ele simplesmente jazia ali e com os olhos abertos vazios de tudo mas ainda de algum modo conscientes, na boca dele algo como uma sombra, um furo negro. Olhos pacíficos e insondáveis, indecifráveis, insuportáveis de se olhar. O rosto, o corpo, ele todo, desmoronando, desabando sobre ele mesmo, as nádegas expostas, os quadris, a bacia, a rótula, a glândula pineal, o sangue escuro, represado, jorrando, precipitando do corpo como um fôlego liberado. Tudo jorrou do meu irmão. Um jorro de foguetes de réveillon. Subindo ao preto do céu. Por sobre a explosão preta, o homem se elevou até às alturas mais imensas, nas alturas da memória. Ninguém perderá esse rosto. Esse rosto é nosso para sempre. O rosto do morto. Meu irmão. Eles não o perderão. Esse rosto estará lá: fixo, cismando quieto, constante, insistente, sem fraquejar. Não será particularmente ameaçador, mas uma face serena e por si só triunfante. Um rosto sobre a cidade. Não importa para que vale ou morro se fuja, não importa o quão longe para a velhice se escape, esses velhos desastres retornarão no meu rosto subindo ao céu da cidade. E todos se lembrarão.
(E então ouve-se o uivo e o latido alucinado de um cão)
ANTÍGONA (enquanto realiza as libações) – Ele simplesmente jazia ali e com os olhos abertos vazios de tudo mas ainda de algum modo conscientes, na boca dele algo como uma sombra, um furo negro. Olhos pacíficos e insondáveis, indecifráveis, insuportáveis de se olhar. O rosto, o corpo, ele todo, desmoronando, desabando sobre ele mesmo, as nádegas expostas, os quadris, a bacia, a rótula, a glândula pineal, o sangue escuro, represado, jorrando, precipitando do corpo como um fôlego liberado. Tudo jorrou do meu irmão. Um jorro de foguetes de réveillon. Subindo ao preto do céu. Por sobre a explosão preta, o homem se elevou até às alturas mais imensas, nas alturas da memória. Ninguém perderá esse rosto. Esse rosto é nosso para sempre. O rosto do morto. Meu irmão. Eles não o perderão. Esse rosto estará lá: fixo, cismando quieto, constante, insistente, sem fraquejar. Não será particularmente ameaçador, mas uma face serena e por si só triunfante. Um rosto sobre a cidade. Não importa para que vale ou morro se fuja, não importa o quão longe para a velhice se escape, esses velhos desastres retornarão no meu rosto subindo ao céu da cidade. E todos se lembrarão.
(E então ouve-se o uivo e o latido alucinado de um cão)
Língua acre. Lábio lacrado. Boca roxa. Isso é você, meu irmão? Isso que explodiu em golfo,
gargalhada, grito, soluço? Isso que me mordeu, me molhou, que se entreabriu
silenciosamente no sono? Isso que me escalavrou o colo, me abocanhou o cabelo, me
marcou o peito? Poeira, areia, pó. Que lei te fez tombar sem túmulo? Que lei trôpega, que
deus bêbado fez a gente tropeçar no próprio pé? Uma tormenta de pó inunda a cidade.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
Língua acre. Lábio lacrado. Boca roxa. Isso é você, meu irmão? Isso que explodiu em golfo,
gargalhada, grito, soluço? Isso que me mordeu, me molhou, que se entreabriu
silenciosamente no sono? Isso que me escalavrou o colo, me abocanhou o cabelo, me
marcou o peito? Poeira, areia, pó. Que lei te fez tombar sem túmulo? Que lei trôpega, que
deus bêbado fez a gente tropeçar no próprio pé? Uma tormenta de pó inunda a cidade.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices. Polinices.
CREONTE – Você sabia da lei ?
ANTÍGONA – Bom, se você chama isso de lei...
CREONTE – Chamo.
ANTÍGONA – Zeus não... A justiça não... Os nossos mortos também não...
CREONTE – Mas é igual ao pai! Do cru nasce a cruel!
ANTÍGONA – A sua lei não pode obrigar ninguém a desobedecer a ordem dos deuses. Deus nenhum admite o corpo de um irmão relegado ao relento.
CREONTE – Você pisoteia a ordem. Você insulta a todos.
ANTÍGONA – Creonte, você acha mesmo que algum cidadão considera que enterrar um parente é crime?
CREONTE – O que que você quer? (Tempo breve) A desunião? O caos?
ANTÍGONA – Não existe e nem nunca vai existir absolutamente nada de agradável nas tuas palavras, Creonte. E do mesmo jeito que eu acho abominável tudo o que você diz, você também deve odiar tudo o que eu digo. Reivindica a união, mas vive da discórdia.
CREONTE – Discórdia? Todos pensam como eu. Você é a única que pensa diferente. Você não tem vergonha não? De pensar diferente de todo mundo?
ANTÍGONA – Os cidadãos de Tebas me aprovariam. Se não estivessem todos tremendo de medo. Todos tremem de medo de você. Não há vergonha alguma em honrar um parente.
CREONTE – O outro irmão também não era seu parente?
ANTÍGONA – Sim. filho da mesma mãe e do mesmo pai
CREONTE – E você escolhe honrar um e desgraçar o outro?
ANTÍGONA – Os mortos não concordam contigo
CREONTE – Polinices cometeu um crime.
ANTÍGONA – Eu obedeço as leis dos mortos. Os mortos têm suas próprias leis, e são essas leis que eu obedeço!
CREONTE – Vamos tratar como se fossem iguais aquele que defendeu e aquele que traiu a cidade?
ANTÍGONA – Como vamos saber como as coisas funcionam lá embaixo?
CREONTE – Inimigo é inimigo. Vivo ou morto!
ANTÍGONA – Você não vai conseguir pregar a língua do povo no chão, Creonte, o povo fala. Sussurrando, com medo, no escuro, mas fala.
CREONTE – Seria melhor pro seu povo que ele parasse de murmurar.
ANTÍGONA – Ontem foi meu irmão, hoje sou eu. Quem você tá intimidando agora?
CREONTE – Quem só tem olhos pro próprio nariz, quem não vê que a ordem do Estado é sagrada.
ANTÍGONA – Sagrada? Eu preferiria que ela fosse humana. Eu vivo para o amor, não para o ódio.
CREONTE – Então vai amar embaixo da terra. Ame eles de lá. Eu não serei calado por uma mulher. A partir de hoje a pátria não te chama mais de filha, o povo te rejeita.
ANTÍGONA – Que pátria? Que povo? Desde que você governa os homens morrem aos milhares nessa terra.
Tempo breve.
ANTÍGONA – Sozinho, só se governa um deserto.
CREONTE – Você sabia da lei ?
ANTÍGONA – Bom, se você chama isso de lei...
CREONTE – Chamo.
ANTÍGONA – Zeus não... A justiça não... Os nossos mortos também não...
CREONTE – Mas é igual ao pai! Do cru nasce a cruel!
ANTÍGONA – A sua lei não pode obrigar ninguém a desobedecer a ordem dos deuses. Deus nenhum admite o corpo de um irmão relegado ao relento.
CREONTE – Você pisoteia a ordem. Você insulta a todos.
ANTÍGONA – Creonte, você acha mesmo que algum cidadão considera que enterrar um parente é crime?
CREONTE – O que que você quer? (Tempo breve) A desunião? O caos?
ANTÍGONA – Não existe e nem nunca vai existir absolutamente nada de agradável nas tuas palavras, Creonte. E do mesmo jeito que eu acho abominável tudo o que você diz, você também deve odiar tudo o que eu digo. Reivindica a união, mas vive da discórdia.
CREONTE – Discórdia? Todos pensam como eu. Você é a única que pensa diferente. Você não tem vergonha não? De pensar diferente de todo mundo?
ANTÍGONA – Os cidadãos de Tebas me aprovariam. Se não estivessem todos tremendo de medo. Todos tremem de medo de você. Não há vergonha alguma em honrar um parente.
CREONTE – O outro irmão também não era seu parente?
ANTÍGONA – Sim. filho da mesma mãe e do mesmo pai
CREONTE – E você escolhe honrar um e desgraçar o outro?
ANTÍGONA – Os mortos não concordam contigo
CREONTE – Polinices cometeu um crime.
ANTÍGONA – Eu obedeço as leis dos mortos. Os mortos têm suas próprias leis, e são essas leis que eu obedeço!
CREONTE – Vamos tratar como se fossem iguais aquele que defendeu e aquele que traiu a cidade?
ANTÍGONA – Como vamos saber como as coisas funcionam lá embaixo?
CREONTE – Inimigo é inimigo. Vivo ou morto!
ANTÍGONA – Você não vai conseguir pregar a língua do povo no chão, Creonte, o povo fala. Sussurrando, com medo, no escuro, mas fala.
CREONTE – Seria melhor pro seu povo que ele parasse de murmurar.
ANTÍGONA – Ontem foi meu irmão, hoje sou eu. Quem você tá intimidando agora?
CREONTE – Quem só tem olhos pro próprio nariz, quem não vê que a ordem do Estado é sagrada.
ANTÍGONA – Sagrada? Eu preferiria que ela fosse humana. Eu vivo para o amor, não para o ódio.
CREONTE – Então vai amar embaixo da terra. Ame eles de lá. Eu não serei calado por uma mulher. A partir de hoje a pátria não te chama mais de filha, o povo te rejeita.
ANTÍGONA – Que pátria? Que povo? Desde que você governa os homens morrem aos milhares nessa terra.
Tempo breve.
ANTÍGONA – Sozinho, só se governa um deserto.
(entra Hemon, o filho de Creonte)
CREONTE – (alfito)
HEMON – pode ser de outro jeito, pai
CREONTE – (passa a mão na cabeça)
HEMON – eu não sei...
pode ser que afinal...
...eu sou seu defensor
eu sou seu.......
CREONTE – (olha o filho)
HEMON – mas há conversas.......
mas há...... sombras
CREONTE – (parado olhando)
HEMON – essa moça.......
...aqui eu ponho uma lacuna
a cidade está triste
ela não merece morrer
o mais glorioso dos atos
a mais terrível das mortes
HEMON – dizem:
ela só quis proteger o corpo do irmão dos cães brutos, das aves carniceiras
CREONTE – ...
HEMON – eu não sei
CREONTE – (crava os dedos da própria mão com raiva. passa a mão na testa)
HEMON – não deixe o ódio cobrir a sua língua e a sua mente, pai
CREONTE – Escravo de mulher.
HEMON – o que?
CREONTE – Você acha que, na minha idade, eu tenho algo a aprender com um garoto?
HEMON – você não aprenderia nada de injusto
CREONTE – Honrar a anarquia é justo?
HEMON – não honro a anarquia
CREONTE – A garota está suja, maculada.
HEMON – Tebas diz o contrário
CREONTE – Tebas me diz agora como governar?
HEMON – suas
palavras
soam
como
as
de
uma
criança
autoritária
CREONTE – As minhas palavras ditam as regras da minha cidade.
HEMON – nenhuma cidade pertence a um homem só
CREONTE – Toda cidade pertence ao seu governante.
HEMON – Pai, por favor. Eu não quero que você tenha um sentimento só. Eu não quero que você pense que só as suas palavras têm valor e as de mais ninguém, que só sua palavra é a certa e a de nenhum outro. Não quero que você pense que você não tem rival no pensamento, nem nas palavras. Pra mim, quem acredita nisso não tem utilidade, é um fútil, é um inútil. Não existe vergonha nenhuma em, mesmo sendo sábio, aprender cada vez mais e não ter presunções. Você não percebe que do lado das correntes e das torrentes marítimas grossas, tormentosas, são as árvores que são flexíveis aquelas que se salvam inteiras? E que aquelas árvores que não se dobram, as árvores mais duras são justamente as árvores que são arrancadas pela raíz e levadas embora? Da mesma forma as cordas, os velames mais tesos das embarcações sempre esticadas, aquelas que não afrouxam, são justamente essas que fazem com que os barcos tombem e virem as quilhas para cima e naufraguem. Então eu te exorto, eu te peço: recua na tua ira! Recua! Recua e deixa-se mudar. Permita-se mudar de ideia. Se eu, embora jovem, posso te dar opiniões, afirmo que sim, nos homens seria ideal nascer já saturado de tudo, de toda a ciência, sabendo de tudo, mas não é assim, sabemos que não é assim. Então nós devemos aprender. Devemos aprender com qualquer um que fale para o nosso bem.
CREONTE – (passa a mão na cabeça escondendo o rosto)
HEMON – sozinho, só se governa um deserto
(Hemon sai)
CREONTE – (crava os dedos com ódio)
Guardas!
Tranquem ela sozinha.
Numa gruta de pedra
com farelos de trigo e vinho somente
como fazemos com os mortos
vou enterrar a menina viva
entra Hemon, o filho de Creonte)
CREONTE – (alfito)
HEMON – pode ser de outro jeito, pai
CREONTE – (passa a mão na cabeça)
HEMON – eu não sei...
pode ser que afinal...
...eu sou seu defensor
eu sou seu.......
CREONTE – (olha o filho)
HEMON – mas há conversas.......
mas há...... sombras
CREONTE – (parado olhando)
HEMON – essa moça.......
...aqui eu ponho uma lacuna
a cidade está triste
ela não merece morrer
o mais glorioso dos atos
a mais terrível das mortes
HEMON – dizem:
ela só quis proteger o corpo do irmão dos cães brutos, das aves carniceiras
CREONTE – ...
HEMON – eu não sei
CREONTE – (crava os dedos da própria mão com raiva. passa a mão na testa)
HEMON – não deixe o ódio cobrir a sua língua e a sua mente, pai
CREONTE – Escravo de mulher.
HEMON – o que?
CREONTE – Você acha que, na minha idade, eu tenho algo a aprender com um garoto?
HEMON – você não aprenderia nada de injusto
CREONTE – Honrar a anarquia é justo?
HEMON – não honro a anarquia
CREONTE – A garota está suja, maculada.
HEMON – Tebas diz o contrário
CREONTE – Tebas me diz agora como governar?
HEMON – suas
palavras
soam
como
as
de
uma
criança
autoritária
CREONTE – As minhas palavras ditam as regras da minha cidade.
HEMON – nenhuma cidade pertence a um homem só
CREONTE – Toda cidade pertence ao seu governante.
HEMON – Pai, por favor. Eu não quero que você tenha um sentimento só. Eu não quero que você pense que só as suas palavras têm valor e as de mais ninguém, que só sua palavra é a certa e a de nenhum outro. Não quero que você pense que você não tem rival no pensamento, nem nas palavras. Pra mim, quem acredita nisso não tem utilidade, é um fútil, é um inútil. Não existe vergonha nenhuma em, mesmo sendo sábio, aprender cada vez mais e não ter presunções. Você não percebe que do lado das correntes e das torrentes marítimas grossas, tormentosas, são as árvores que são flexíveis aquelas que se salvam inteiras? E que aquelas árvores que não se dobram, as árvores mais duras são justamente as árvores que são arrancadas pela raíz e levadas embora? Da mesma forma as cordas, os velames mais tesos das embarcações sempre esticadas, aquelas que não afrouxam, são justamente essas que fazem com que os barcos tombem e virem as quilhas para cima e naufraguem. Então eu te exorto, eu te peço: recua na tua ira! Recua! Recua e deixa-se mudar. Permita-se mudar de ideia. Se eu, embora jovem, posso te dar opiniões, afirmo que sim, nos homens seria ideal nascer já saturado de tudo, de toda a ciência, sabendo de tudo, mas não é assim, sabemos que não é assim. Então nós devemos aprender. Devemos aprender com qualquer um que fale para o nosso bem.
CREONTE – (passa a mão na cabeça escondendo o rosto)
HEMON – sozinho, só se governa um deserto
(Hemon sai)
CREONTE – (crava os dedos com ódio)
Guardas!
Tranquem ela sozinha.
Numa gruta de pedra
com farelos de trigo e vinho somente
como fazemos com os mortos
vou enterrar a menina viva
Concidadãos de minha pátria,
o que mata é nascer [e é de matar nascer]
Vejam-me seguindo o meu caminho derradeiro,
olhando o último clarão do sol,
que nunca, nunca mais contemplarei.
Os orixás, os santos, as energias,
as divindades de pedra, de água, de sol,
as planícies, as nascentes
são testemunhas de como,
sem ser pranteada pelos que amo,
fui levada ao túmulo estando viva.
Ah, minha cidade! Ah, de minha cidade homens poderosos!
Rogo que para estes preparem um destino! Não pensem que
Vocês serão poupados, oh, desafortunados.
Outros corpos, destroçados,
jazerão sem sepultura, aos montes, em volta
daquele que não teve sepultura.
OLHEM PRA MIM
Sou a irmã do pai; a doce irmã de coração ardente; a apaixonada pelo impossível; a barulhenta; a que escolheu viver autônoma; o pássaro desesperado; sou a que não aprendeu a se curvar ao infortúnio; a que faz a ata, a desunião; a única dos mortais a descer viva à morte.
OLHEM PRA MIM
Ainda estou aqui
Viva, mesmo que morta.
Uma sem lugar
Uma entrecoisa
Sou a nova espécie,
A ninguendade
A coisa mais bela do mundo nascendo diante dos seus olhos míopes.
OLHEM PRA MIM
É preciso lembrar pra esquecer. Esquecer é um privilégio.
“O pássaro que se separa do outro, vai voando adeus o tempo todo.”
“Se vendo minha alma, estou vendendo também os outros.”
Antígone declara profano não agir.
O esquecimento é coisa cara.
Querida irmã, me perdoe
Ó irmã, não cruze esta linha
Dois irmãos cresceram como dor no coração um do outro
Esquecer tem demoras.
Ouvi dizer que no futuro saberão mais sobre o tempo do que sabemos agora.
Sendo assim, clamo às descendentes desta e de outras terras que me salvem, que me arranquem deste calabouço. Peço que, delicadamente, desamarrem o nó do meu pescoço, que limpem meus pés e molhem meu rosto com água pra que eu acorde. Eles pensarão que desapareci, que está dizimada minha existência, o meu tempo. Terei sido um pássaro morto até este dia, a tua pedra me despertará.
Na minha língua não tem ponto final
Queria subir pra o céu
Numa escada de ouro
Tomando por minha madrinha
Nossa Senhora das Dores
Ó meu pai, meu santo Antônio
Meu soberano senhor
Tanta dor, tanto tormento
Santo Antônio aliviou.
Concidadãos de minha pátria,
o que mata é nascer [e é de matar nascer]
Vejam-me seguindo o meu caminho derradeiro,
olhando o último clarão do sol,
que nunca, nunca mais contemplarei.
Os orixás, os santos, as energias,
as divindades de pedra, de água, de sol,
as planícies, as nascentes
são testemunhas de como,
sem ser pranteada pelos que amo,
fui levada ao túmulo estando viva.
Ah, minha cidade! Ah, de minha cidade homens poderosos!
Rogo que para estes preparem um destino! Não pensem que
Vocês serão poupados, oh, desafortunados.
Outros corpos, destroçados,
jazerão sem sepultura, aos montes, em volta
daquele que não teve sepultura.
OLHEM PRA MIM
Sou a irmã do pai; a doce irmã de coração ardente; a apaixonada pelo impossível; a barulhenta; a que escolheu viver autônoma; o pássaro desesperado; sou a que não aprendeu a se curvar ao infortúnio; a que faz a ata, a desunião; a única dos mortais a descer viva à morte.
OLHEM PRA MIM
Ainda estou aqui
Viva, mesmo que morta.
Uma sem lugar
Uma entrecoisa
Sou a nova espécie,
A ninguendade
A coisa mais bela do mundo nascendo diante dos seus olhos míopes.
OLHEM PRA MIM
É preciso lembrar pra esquecer. Esquecer é um privilégio.
“O pássaro que se separa do outro, vai voando adeus o tempo todo.”
“Se vendo minha alma, estou vendendo também os outros.”
Antígone declara profano não agir.
O esquecimento é coisa cara.
Querida irmã, me perdoe
Ó irmã, não cruze esta linha
Dois irmãos cresceram como dor no coração um do outro
Esquecer tem demoras.
Ouvi dizer que no futuro saberão mais sobre o tempo do que sabemos agora.
Sendo assim, clamo às descendentes desta e de outras terras que me salvem, que me arranquem deste calabouço. Peço que, delicadamente, desamarrem o nó do meu pescoço, que limpem meus pés e molhem meu rosto com água pra que eu acorde. Eles pensarão que desapareci, que está dizimada minha existência, o meu tempo. Terei sido um pássaro morto até este dia, a tua pedra me despertará.
Na minha língua não tem ponto final
Queria subir pra o céu
Numa escada de ouro
Tomando por minha madrinha
Nossa Senhora das Dores
Ó meu pai, meu santo Antônio
Meu soberano senhor
Tanta dor, tanto tormento
Santo Antônio aliviou.
O fim começou
E a fim de mim, a fim da curumim...
A raíz que abraça a mãe terra tem medo do fim.
A mãe adotada por suas raízes, também tem medo.
medo que suas raízes lhe soltem e a deixem saltitante.
Medo de saltar para a liberdade e livrar-se de si mesma
A raíz do medo enraizado nos poros latentes de um orgasmo profundo entre a mãe natureza e Deus (o dono do conhecimento) deu a luz a um lindo e perfeito feto (o ser humano).
Um emaranhado de raízes enraizando afeto pelo espaço sideral.
Com um único propósito de enraizar uma temperatura cabível entre os mundos.
O meu mundo
O teu mundo
Os nossos mundos
Os mundos que guerreiam com o único propósito que é acabar com a temperatura que diferencia os conhecimentos.
A liberdade toma coragem encurralando abruptamente o medo, que lhe é impossível escapar desta vez. Bem vindos! O fim chegou.
Inicia-se um novo mundo
O lindo e perfeito feto mostra o seu afeto diante de suas habilidades e então o inestimado ser HUMANO cria remotamente pequenos controles, pequenas máquinas capazes de controlar a distância.
Uawww que incrível é o ser humano!
E agora é possível apertar um único botão dessas pequenas máquinas e ativar sobre outros humanos diferentes sentidos, inclusive os sentidos desconhecidos.
Uawwww que incrível são essas pequenas máquinas!
As máquinas são capazes de doar afeto e prometem acabar com a solidão! Elas oferecem infinitas possibilidades e uma capacidade para enraizamento global.
Não vos preocupeis! Os homens estão sob controle. Não há mal que lhes possa fazer mal algum, já dizia meu pai: “o mal por si só se destrói”.
Uawwww que incrível é a maldade!
Mas incrível mesmo é o ser humano que já previa isso.
O ser humano é realmente corajoso, valente, notável, audaz, ousado, audacioso, destemido, arrojado, intrépido, campeão, paladino, protetor, defensor, vulto. E não há emaranhado de sinônimos capaz de revelar tamanho heroísmo do nosso grande ÍDOLO.
Ele é capaz de destruir a si próprio em nome da evolução! Em nome do conhecimento, que aliás é o nosso grande general da generosidade, não podemos deixar de destacar no nosso texto que somos generosos! E é essa generosidade enraizada que nos permite cuidarmos uns dos outros, de maneira controladora, mas aqui o “controlar” é sinônimo de cuidado, que fique claro.
O homem nasceu para controlar e o vírus também será controlado pelo ser humano, né verdade?! Logo encontraremos a cura, afinal humanos também são vírus pandêmicos. Entendemos sobre o assunto.
O humano controlador acha graça em controlar e acha também a curiosidade, o controlador motivado pela curiosidade feito menino, permite seu feito o controlar, que graças! O feito do homem tem o medo enraizado e traz consigo o medo do fim!
A raiz da maldade, O CONHECIMENTO, com sua idade avançada abre um sorriso apático.
É um senhor simpático/empático
O velho está no seu fim e a fim de mim!
O fim começou cedo demais.
Bye bye!
O fim começou
E a fim de mim, a fim da curumim...
A raíz que abraça a mãe terra tem medo do fim.
A mãe adotada por suas raízes, também tem medo.
medo que suas raízes lhe soltem e a deixem saltitante.
Medo de saltar para a liberdade e livrar-se de si mesma
A raíz do medo enraizado nos poros latentes de um orgasmo profundo entre a mãe natureza e Deus (o dono do conhecimento) deu a luz a um lindo e perfeito feto (o ser humano).
Um emaranhado de raízes enraizando afeto pelo espaço sideral.
Com um único propósito de enraizar uma temperatura cabível entre os mundos.
O meu mundo
O teu mundo
Os nossos mundos
Os mundos que guerreiam com o único propósito que é acabar com a temperatura que diferencia os conhecimentos.
A liberdade toma coragem encurralando abruptamente o medo, que lhe é impossível escapar desta vez. Bem vindos! O fim chegou.
Inicia-se um novo mundo
O lindo e perfeito feto mostra o seu afeto diante de suas habilidades e então o inestimado ser HUMANO cria remotamente pequenos controles, pequenas máquinas capazes de controlar a distância.
Uawww que incrível é o ser humano!
E agora é possível apertar um único botão dessas pequenas máquinas e ativar sobre outros humanos diferentes sentidos, inclusive os sentidos desconhecidos.
Uawwww que incrível são essas pequenas máquinas!
As máquinas são capazes de doar afeto e prometem acabar com a solidão! Elas oferecem infinitas possibilidades e uma capacidade para enraizamento global.
Não vos preocupeis! Os homens estão sob controle. Não há mal que lhes possa fazer mal algum, já dizia meu pai: “o mal por si só se destrói”.
Uawwww que incrível é a maldade!
Mas incrível mesmo é o ser humano que já previa isso.
O ser humano é realmente corajoso, valente, notável, audaz, ousado, audacioso, destemido, arrojado, intrépido, campeão, paladino, protetor, defensor, vulto. E não há emaranhado de sinônimos capaz de revelar tamanho heroísmo do nosso grande ÍDOLO.
Ele é capaz de destruir a si próprio em nome da evolução! Em nome do conhecimento, que aliás é o nosso grande general da generosidade, não podemos deixar de destacar no nosso texto que somos generosos! E é essa generosidade enraizada que nos permite cuidarmos uns dos outros, de maneira controladora, mas aqui o “controlar” é sinônimo de cuidado, que fique claro.
O homem nasceu para controlar e o vírus também será controlado pelo ser humano, né verdade?! Logo encontraremos a cura, afinal humanos também são vírus pandêmicos. Entendemos sobre o assunto.
O humano controlador acha graça em controlar e acha também a curiosidade, o controlador motivado pela curiosidade feito menino, permite seu feito o controlar, que graças! O feito do homem tem o medo enraizado e traz consigo o medo do fim!
A raiz da maldade, O CONHECIMENTO, com sua idade avançada abre um sorriso apático.
É um senhor simpático/empático
O velho está no seu fim e a fim de mim!
O fim começou cedo demais.
Bye bye!
(A Tirésias é cega por não querer enxergar com os olhos, ela faz um paralelo entre Creonte e o público. Creonte – o colonizador, Tirésias – a descolonizada)
TIRÉSIAS – Coisas terríveis eu vi.
O cego segue aquele que vê, mas o que segue o que não vê
é mais cego ainda.
Eu ouvi quais são os presságios das aves de Tebas.
Tu, Creonte, és o culpado da doença que ataca a nossa cidade.
Você sabe das minhas tecnologias. Você sabe.
A falha do sinal é em si mesma um sinal.
Vem de você uma doença
de você, uma supuração
de você, um excesso
Você se equilibra sobre uma lâmina, Creonte (movimenta uma faca)
Você cometeu um erro irreparável com a vida e a morte
Você enterrou os vivos e conservou os mortos
Que estupidez, que maldade você fez pra continuar tendo que ser mal e estúpido?
O roubo pede o roubo a crueldade pede a crueldade o excesso pede o excesso e no final se transforma em nada.
Matar de novo um morto é prova de coragem?
Os homens todos erram.
Mas quem comete um erro não é insensato,
nem sofre pelo mal que fez, se o remedia
em vez de preferir mostrar-se inabalável;
Eu olho pra trás, mas também ao meu redor
Você olha pra frente e treme.
você se equilibra sobre uma lâmina, Creonte
(A Tirésias é cega por não querer enxergar com os olhos, ela faz um paralelo entre Creonte e o público. Creonte – o colonizador, Tirésias – a descolonizada)
TIRÉSIAS – Coisas terríveis eu vi.
O cego segue aquele que vê, mas o que segue o que não vê
é mais cego ainda.
Eu ouvi quais são os presságios das aves de Tebas.
Tu, Creonte, és o culpado da doença que ataca a nossa cidade.
Você sabe das minhas tecnologias. Você sabe.
A falha do sinal é em si mesma um sinal.
Vem de você uma doença
de você, uma supuração
de você, um excesso
Você se equilibra sobre uma lâmina, Creonte (movimenta uma faca)
Você cometeu um erro irreparável com a vida e a morte
Você enterrou os vivos e conservou os mortos
Que estupidez, que maldade você fez pra continuar tendo que ser mal e estúpido?
O roubo pede o roubo a crueldade pede a crueldade o excesso pede o excesso e no final se transforma em nada.
Matar de novo um morto é prova de coragem?
Os homens todos erram.
Mas quem comete um erro não é insensato,
nem sofre pelo mal que fez, se o remedia
em vez de preferir mostrar-se inabalável;
Eu olho pra trás, mas também ao meu redor
Você olha pra frente e treme.
você se equilibra sobre uma lâmina, Creonte
RAIVA RUBRA
Toda pena, mulher, é uma fraude
A não ser que essa pena se transforme em uma raiva rubra
Que não vai descansar enquanto esse ferrão ancestral
Não for arrancado finalmente das profundezas da carne da humanidade
(Bertolt Brecht)
SAL NEGRO
A ruína chega.
A ruína não vai embora.
Vem cobrar seu preço sobre as gerações.
Vem revolver o sal negro sob o fundo do mar.
(Anne Carson)
Cegaram os olhos do mundo.
o amado que você sopra feito pó
o pó que você dispersa
o você que não
que não o quê
que não
naco
RAIVA RUBRA
Toda pena, mulher, é uma fraude
A não ser que essa pena se transforme em uma raiva rubra
Que não vai descansar enquanto esse ferrão ancestral
Não for arrancado finalmente das profundezas da carne da humanidade
(Bertolt Brecht)
SAL NEGRO
A ruína chega.
A ruína não vai embora.
Vem cobrar seu preço sobre as gerações.
Vem revolver o sal negro sob o fundo do mar.
(Anne Carson)
Cegaram os olhos do mundo.
o amado que você sopra feito pó
o pó que você dispersa
o você que não
que não o quê
que não
naco
"cidade pátria,
eu sinto a garganta apertar diante do que vai te acontecer. você deu vida a monstros. em pó deve se converter. você não serão poupados, outros corpos cairão, aos montes, destroçados. vocês, que alimentaram a guerra de Creonte também serão devorados."
(Bertold Brecht)
"cidade pátria,
eu sinto a garganta apertar diante do que vai te acontecer. você deu vida a monstros. em pó deve se converter. você não serão poupados, outros corpos cairão, aos montes, destroçados. vocês, que alimentaram a guerra de Creonte também serão devorados."
(Bertold Brecht)
Há muitos assombros no mundo.
Mas nada é mais assombroso do que o homem.
Abre
Rasga
Singra
Drena
Cativa
Caça
Calcula
Captura
Segura
Toca
Tange
Roça
Tritura
Tortura
Postula
Abole
Promulga
Chancela
Cancela
Derruba
Rasura
Pisa
Sulca
Laça
Enlaça
Caça
Lucra
Lacra
Lavra
Louva
Prega
Lança
Avança
Apaga
Paga
Aperta
Amarra
Arremessa
Arrebenta
Traça
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Há muitos assombros no mundo.
Mas nada é mais assombroso do que o homem.
Abre
Rasga
Singra
Drena
Cativa
Caça
Calcula
Captura
Segura
Toca
Tange
Roça
Tritura
Tortura
Postula
Abole
Promulga
Chancela
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Derruba
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Enlaça
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Lucra
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